Montagem de 'El Quijote' une grupos de dez países
Foto: Clayton de Souza/AE
Montagem do grupo Teatro Carlos Ancira, do México
Clássico de Cervantes é montado com vários sotaques latinos, no 2º Congresso de Cultura Ibero-Americana
Beth Néspoli
SÃO PAULO - Uma profusão de cores invade o palco do Sesc Pompeia durante o ensaio de El Quijote. O idioma brasileiro mescla-se ao castelhano falado com muitos sotaques diferentes, pois nesse espetáculo multicultural há atores de países como Guatemala, Bolívia, Chile, Peru, Cuba, México, Colômbia e El Salvador. Ouve-se ainda o sotaque carioca misturar-se ao paulistano dos atores do Pombas Urbanas, grupo sediado em Cidade Tiradentes e anfitrião de mais de cem artistas, vindo de dez países da América Latina e do Caribe e 12 diferentes companhias teatrais. Juntos, eles realizam uma montagem de Quixote que integra a programação cultural do 2º Congresso de Cultura Ibero-Americana que começa nesta quarta, 30, em São Paulo.
"Despacio, despacito!" A toda hora Cesar Badilho saltava da arquibancada do Sesc Pompeia para o palco para controlar o ritmo. "Se falam rápido não se entende", diz. Cada grupo presente em cena realiza em seu país de origem o chamado teatro comunitário. "O Caja Lúdica da Guatemala trabalha na selva e sua metodologia tem reconhecimento acadêmico, os bolivianos atuam em minas de carvão; o Vichama, do México, trouxe um Quixote cego, a troca de experiências está sendo muito rica", diz o ator Adriano Mauriz, ator do Pombas Urbanas.
Sem dúvida, o que o público verá em cena é a ponta de um iceberg, afinal, esse é o tipo de criação em que o encontro é tão produtivo que o resultado importa menos. Mas o desejo, claro, é trazer essa riqueza multicultural para a cena. Assim, por exemplo, o mago Merlin se transforma num xamã. Badilho, ator do grupo colombiano La Candelaria, coletivo com mais de 40 anos de premiada trajetória, foi especialmente convidado para dar unidade ao espetáculo. Não por acaso. Ele é protagonista de uma montagem de Quixote do La Candelaria, dirigida por Santiago Garcia, que se mantém em repertório há anos e já excursionou por América e Europa.
"A loucura de Quixote não é psíquica, é filosófica e essa diferença é fundamental", diz Vadilho. "Quixote é o elogio à diferença. Há no livro um encontro de culturas, judaica, árabe, castelhana, como ocorre na América Latina. Em essência, o livro joga com essa aparente contradição - somos diferentes e caminhos juntos - e, para isso dar certo, é preciso que haja uma escuta." Mas ele também ressalta que não se trata de um passeio turístico, daí a busca do rigor estético. "Há um olhar depreciativo sobre o teatro comunitário, o que é uma torpeza."
Após uma intensa comunicação via internet, cada um dos 12 grupos escolheu um episódio do Quixote de Cervantes e ensaiou em seu país, a partir de maio. A união de todos ocorreu a partir do dia 15, em Cidade Tiradentes. Como há cenas que pedem muitos atores, e cada grupo veio com cerca de cinco integrantes, eles se misturam. Assim, um coro de camponesas confundidas com princesas por Quixote é integrado por atrizes do Chile, Bolívia, El Salvador e Guatemala. Experiência rara no campo das artes.
Foto: Clayton de Souza/AE
Montagem do Quixote pelo grupo Antu, do Chile
Congresso tem como tema transformação sociocultural
O ministro da Cultura Juca Ferreira, o governador José Serra e o prefeito Gilberto Kassab prometem estar presentes nesta quarta, 30, à noite, no Sesc Vila Mariana, na abertura oficial, a partir das 19 h, do 2º Congresso Ibero-Americano de Cultura. Até domingo, representantes de 22 países da América Latina, Caribe e Península Ibérica estarão reunidos em conferências, debates e encontros para trocas de experiências em torno do tema Cultura e Transformação Social.
Não por acaso será homenageado o criador das técnicas conhecidas como Teatro do Oprimido, Augusto Boal, morto em maio. Uma vez que o objetivo é promover encontros culturais, a noite será de união entre o cantor e compositor João Bosco, que se apresenta com a Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Estão confirmadas ainda as presenças dos ministros da cultura do Paraguai, Ticio Escobar; do México, Consuelo Sáizar; da Colômbia, Paula Moreno Zapata; e da Espanha, Ángeles Gonzáles-Sinde.
A montagem de El Quijote e os grupos que envolve - todos com trabalhos nas chamadas periferias de suas regiões - dá bem a ideia do eixo que norteará as diversas mesas de debates envolvendo pesquisadores - como Ana Rosas Mantecón, professora da Universidade Autônoma Metropolitana do México -, artistas - entre eles os cineastas argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino - e representantes de entidades voltadas para o intercâmbio cultural, como o colombiano Octavio Aberláez, presidente da Rede de Promotores Culturais da América Latina e do Caribe.
O primeiro congresso foi realizado no México, ano passado, e tinha como tema as linguagens audiovisuais. Desta vez, a discussão vai voltar-se para o papel da arte e dos bens simbólicos no desenvolvimento do homem e na integração de diferentes nichos sociais. Iniciativa do Ministério da Cultura, da Secretaria Geral Ibero-Americana e do Sesc-São Paulo, o congresso tem programação intensa, inclusive artística, que pode ser conferida na íntegra no site http://www.sescsp.com.br/.
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http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,montagem-de-el-quijote-une-grupos-de-dez-paises,443012,0.htm
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